TEXTOS DAS CENAS

A Linha do Tempo - Texto de Fernando Lira (fernandoliraximenes@gmail.com)

CENA 1
LIA: Pedro! Pedro... Ah! Você está aí!... (tocando no ombro de Pedro) Pedro, você está me ouvindo?
PEDRO: Ahã?... Liiiaa! Faz tempo que você chegou?
LIA: Pedro, você já estava, de novo, sonhando acordado, não é?
PEDRO: Eu, não? Só estava pensando como tudo demora tanto tempo para passar!
LIA: Só se for com você! Depois que chegamos do colégio, eu fiz uma porção de coisas: tomei banho, lanchei, fiz algumas tarefas e vim aqui para a gente brincar! Mas você ainda continua com a farda do colégio, parado, só pensando!
PEDRO: Eu queria que o tempo passasse bem rápido, e as férias chegassem logo! Depois passasse rápido para vir mais, mais e mais férias... Até eu crescer e virar gente grande...
LIA: A mamãe sempre diz que cada coisa tem o seu tempo de acontecer... Para que apressar o rio, deixe que ele corra sozinho...
PEDRO: Rio, que rio? Eu tô falando de mim... Eu queria que o tempo de estudar passasse rápido!
LIA: Pedro, você quer sempre tudo muito rápido. Se é inverno, quer que chegue o verão, se é verão, que chegue o natal, se está no natal, quer o ano novo. No ano novo, você quer carnaval, no carnaval, quer natal, no natal, quer que chegue o ano novo. Parece que não gosta de nada!
PEDRO: Não é verdade!
LIA: Então diga uma só coisa que você deseje que demore a passar!
PEDRO: Ora... O tempo que eu passo com você, quero que nunca acabe!
LIA: Ah! Isto não conta, eu sou sua melhor amiga!
PEDRO: Conta sim, quando eu for grande, eu vou casar com você!
LIA: (rindo) Apressadinho!
MÃE DE LIA: (off) Lia! Lia!
LIA: Estou indo, mamãe!
PEDRO: Você já vai? Não demorou nada!
LIA: Eu preciso ajudar a mamãe, que está sozinha em casa. A gente se encontra amanhã para irmos ao colégio, tá? (beija-o no rosto, apressadamente, e sai correndo).
PEDRO: (gritando) Amanhã, aqui! Não vá se atrasar!
Entra a Mãe de Lia.
MÃE DE LIA: Pedro, você viu a Lia?
PEDRO: Ela saiu correndo para casa, Dona Alice!
MÃE DE LIA: Onde se meteu esta menina? (sai gritando) Lia, ô Lia!
PEDRO: Como será a Lia quando ela crescer? (bocejando) Ah! Tempo, quanta demora!
Que hoje ontem seja.
E amanhã, já esteja.
Por que não acontece agora? (adormece)
FIM DA CENA 1

CENA 2
Entra um velho, enquanto Pedro está cochilando.
VELHO: Psiu... Psiu, Pedro! Ó, Pedro, acorda, menino!
PEDRO: (assustado) Hã... Quem é o senhor? Como entrou aqui?
VELHO: Calma, não tenha medo, eu não sou nenhum ladrão, Pedro!
PEDRO: Como o senhor sabe o meu nome? O que faz aqui?
VELHO: Uma pergunta de cada vez! Eu ia passando e não pude evitar de ouvir a conversa que de você com a sua amiga!
PEDRO: O senhor sabe que é muito feio xeretar a conversa alheia!
VELHO: Eu não estava xeretando coisa nenhuma... E o que me chamou atenção foi este seu desejo que o tempo passe depressa!
PEDRO: É verdade! E desejo agora que o senhor termine logo esta conversa e vá embora!
VELHO:Como você é mal educado!Foi assim que lhe ensinaram a tratar os mais velhos?
PEDRO: Diga logo o que o senhor deseja? Se for esmola, eu não tenho nenhuma moeda!
VELHO: Não é nada disso! Eu estou aqui apenas para lhe dar um presente!
PEDRO: Presente? Mamãe sempre disse para eu não aceitar nada de estranhos!
VELHO: (rindo) Quem disse que sou um estranho!
PEDRO: Eu não lhe conheço!
VELHO: Mas eu lhe conheço muito bem! E posso realizar os seus desejos!
PEDRO: Que desejo?
VELHO: Que o tempo passe depressa!
PEDRO: É? Duvido!
VELHO: (mostrando uma bola prateada, de dentro da qual sai a ponta de uma linha dourada) Este é meu presente!
PEDRO: O que é isto?
VELHO: É a linha da sua vida!... Não toque nela, e o tempo passará normalmente! Mas, se desejar que o tempo passe rápido, basta dar um leve puxão na linha e o tempo passará como se fosse um segundo. Mas devo avisá-lo, uma vez que a linha tenha sido puxada, não poderá ser colocada de volta dentro da bola. Ela desaparecerá como fumaça. Tome, a bola é sua!
PEDRO: Minha? E o que você quer em troca!
VELHO: Nada que lhe fará tanta falta!
PEDRO: Diga!
VELHO: Apenas a sua juventude!
PEDRO: Como assim, a minha juventude?!
VELHO: É que quanto mais o tempo para você avançar, mais ele irá recuar para mim!
PEDRO: Eu não estou entendendo!
VELHO: Quanto mais velho você ficar, mas novo eu serei!
PEDRO: Assim, eu não quero essa sua bola!
VELHO:Oh, quanto egoísmo! Que diferença fará para você se eu fico mais novo? De qualquer forma o tempo passará para você! E se você desejar que passe normalmente, é só não puxar a fita! Pegue a bola!
PEDRO: Eu não acredito em você!
VELHO: Não acredita? Então, puxe a fita!... Vamos lá, Pedro, puxe! ...Está com medo que o tempo passe depressa?
PEDRO: Não, agora não!
VELHO: (rindo) Quando quiser, na minha idade, não se tem pressa!
PEDRO: Tá bom, eu fico com ela!
VELHO: Agora, última recomendação: ninguém deve saber dos poderes desta bola. Se você contar para alguém, todas as pessoas mais amadas por você morrerão! Entendido?
PEDRO: Sim, senhor!
VELHO: Ótimo! Estou indo, até breve! (rindo)
O Velho sai.
PEDRO: Espere, senhor! Como é seu nome?... Puxa, será que esta bola pode mesmo adiantar o tempo?... Vou contar para Lia!... Não posso, tenho que guardar este segredo só para mim!... E se for mentira dele? ...Preciso testar! Vou puxar esta linha só um pouquinho para ver o que acontece!
Olha para um lado e outro
FIM DA CENA 2

CENA 3
PEDRO: Que velho mentiroso!... Não aconteceu nada!
Entra Lia, com farda do colégio e mochila.
LIA: Oi, Pedro! Vamos, que estamos quase atrasados!
PEDRO: Vamos para onde?
LIA: Ora para onde!... Tá brincando, comigo?
PEDRO: Por que você está com a farda do colégio?
LIA: Pedro, para com isso! Olha só para você! Está com a farda toda suja! Parece que não mudou de roupa deste ontem, quando nos encontramos aqui!
PEDRO: Ontem?
LIA: Sim, ontem! Ih... Você anda sonhando muito! Isto está deixando você meio léle!
PEDRO: (para si) Será que hoje já é ontem, amanhã já é hoje!
LIA: De que é que você está falando?
PEDRO: Ah! Quer bem me enganar... Confesse, você que combinou esta brincadeira com o velho! Pensa que eu sou bobo, é?
LIA: Que velho, Pedro? Ah! Se você não quer ir à aula, que não vá! Não precisa ficar inventando histórias, pois eu estou indo sem você!
PEDRO: Mas eu nem tive tempo de fazer as tarefas?
LIA: Não teve tempo? E o que você fez ontem, a tarde toda! Já sei... Não precisa falar... Passou a tarde dormindo! Pedro, todo dia é a mesma coisa!
PEDRO: Ah! Se eu pudesse fazer a aula passar bem rápida, sem eu notar!
LIA: Mas não pode! Tô indo.
Lia caminha no meio do panos.
PEDRO: Será que posso? (dar uma puxada na linha)
Lia volta imediatamente, com a roupa desfeita e despenteada, com olho inchado.
LIA: Oi, Pedro! Por que você não foi para o colégio? A professora perguntou por você!
PEDRO: Lia, por que você está assim, toda desarrumada? E o que foi isto no seu olho?
LIA: Nada, eu caí no colégio! (coçando o nariz)
PEDRO: Caiu? Você está mentindo!
LIA: Tô não!
PEDRO: Tá sim! Toda vez que mente, você fica coçando o nariz! O que foi isto no olho?
LIA: Um murro!
PEDRO: O quê?
LIA: Um murro, sim! Mas o culpado foi você?
PEDRO: Eu?
LIA: É! Por que você não foi à aula?
PEDRO: Quer dizer que foi a professora que lhe deu um murro porque eu não fui à aula?
LIA: Nada disso! Foi do Gabriel! Ele te chamou de preguiçoso!
PEDRO: O Gabriel? Eu vou pegar ele!
LIA: Não precisa! Ele está com os dois olhos e o nariz inchados!
PEDRO: Lia, eu não sabia que você era valente assim!
LIA: Nem eu! Mas quando ele falou mal de você, eu não aguentei!
PEDRO: Ah! Foi defender o seu herói!
LIA: Convencido! Só que agora eu e ele fomos suspensos por uma semana. E quando a minha mãe souber, ela vai me deixar de castigo no meu quarto durante a suspensão!
MÃE DE LIA (off): Lia, ó Lia! Você já chegou? Já para casa!
LIA: Já vou, mãe! Ai... Reze por mim!
Lia sai.
PEDRO: Coitada da Lia... Vai ficar de castigo por minha culpa! ...Preciso fazer alguma coisa! Mas o quê eu posso fazer para ajudar a Lia? A não ser que a semana passe rápido! Deixe eu fazer os cálculos! (medindo a fita que está fora) Se um dia são quatro dedos, então uma semana que são sete dias, deverei puxar sete vezes este tamanho. (puxando, a luz acende e apaga cada vez que Pedro puxa a linha) Um... Dois... Três... Quatro... Cinco... Seis e sete!
Lia sai do meio dos lençóis, penteada, e vestindo a farda do colégio, limpa!
LIA: Uh, Pedro! Que bom estar livre! Nossa, como uma semana demora a passar!
PEDRO: Para mim, passa num minuto! (rindo)
LIA: Como? Quer dizer que você não sentiu saudade de mim, durante toda semana que passamos sem nos encontrar?
PEDRO: Tô brincando... Estes setes dias pareceram sete segun... Isto, é sete séculos!
Lia lhe dá um beijo no rosto, rapidamente.
PEDRO: Lia, qual é a idade que as pessoas se casam?
LIA: Casar? Sei lá, Pedro? Eu só tenho dez anos, não quero nem saber de casamento!
PEDRO: Ora, mas quando as pessoas se casam não precisam mais obedecer aos pais, não é?
LIA: Acho que sim! Ah! Que conversa chata! Vamos pra aula!
PEDRO: Vá caminhando, Lia! Eu esqueci minhas tarefas no meu quarto! Vou lá pegar! Eu encontro com você no caminho!
LIA: Pedro, Pedro! Não vá faltar à aula!
Lia sai.
FIM DA CENA 3

CENA 4
PEDRO: Qual será a idade que as pessoas se casam? Meu pai casou-se com 30 anos, eu tenho 10 anos... Trinta menos 10, quanto é? Ai, como a matemática faz falta numa hora dessas! (Pega a calculadora na mochila). Para isto que serve a tecnologia! Trinta menos 10 são vinte! Puxa, terei que esperar vinte anos para casar com a Lia... Não, não tenho paciência para esperar tanto tempo não. (pega uma trena na mochila, mede a fita que está fora). Uma semana é igual a 35 cm. Um mês tem quatro semanas. Quatro vezes 35 cm, 140 cm (se medindo) a minha altura. Um ano tem 12 meses. Doze vezes a minha altura dá um ano. Então, doze vezes 20, são duzentos e quarenta eus! Assim, é só puxar a linha duzentos e quarenta o meu tamanho, que chegarei a trinta anos! Vamos começar... Um... Dois...Três...
Começa a puxar mais rápido. Liga-se uma luz estroboscópica, e a voz de Pedro fica rápida e passa a engrossar, mas ouve-se a voz de Pedro como se estivesse numa fita cassete, adiantada. Até que fica tudo escuro.
PEDRO: Quem apagou a luz? Por que ficou noite tão de repente?
Pedro está adulto. Entra Lia, já adulta, com uma vela na mão.
LIA: Pedro, o que você faz aí nesta escuridão. Você não ouviu o estrondo. Deve ter sido algum transformador de poste que estourou. A rua está toda escura.
PEDRO: Ah! Dona Alice, onde está a Lia?
LIA: Que história de Dona Alice! Está vendo fantasma!
PEDRO: É você, Lia? Nossa, como você está linda! Parece com a sua mãe!
LIA: Pedro, que deu em você para falar na mamãe, agora! Você nunca gostou dela, respeite pelos menos os que já se foram!
PEDRO:Oh! Lia, sua mãe já se foi, desculpe, eu não sabia!
LIA:Como não sabia? Faz cinco anos que ela faleceu!
PEDRO: Cinco anos! Puxa, como o tempo passou rápido, eu nem senti!
LIA: É verdade, o Pedrinho já está na universidade! Amanhã estará casado e logo, logo, seremos avós!
PEDRO: Avós! Lia, quer dizer que estamos casados? É verdade? Eu falei que ia casar com você, não falei?
LIA: Pedro, acho que você está ficando gagá! Está perdendo a memória!
PEDRO: Será? Quantos anos você tem agora?
LIA: Ai, ai, ai, meu Pedro está caducando!
PEDRO: Por favor, diga!
LIA: Tá bom! Eu tenho quarenta anos!
PEDRO: Quarenta anos! Então, eu tenho quarenta e um! (pensando alto) Acho que exagerei na puxada da linha, preciso me conter! Onde estão papai e mamãe?
LIA: Pedro, você está brincando comigo, não está?
PEDRO: Claro que não! Diga, onde eles estão!
LIA: Acho que você está precisando de um médico!
PEDRO: Lia, onde eles estão?
LIA: Bem, Pedro, o seu pai faleceu há quinze anos, você não se lembra?
PEDRO: Não, eu juro! Meu pai morreu! E minha mãezinha!
LIA: Com a morte de seu Pai, ela adoeceu e faleceu dois meses depois!
PEDRO: Ah! Meus pobres pais! Não tive nem tempo de dar-lhes atenção! Eu queria tanto ter dito a eles como eu os amava e como eles foram importantes para mim. Mas agora não adianta mais! Tudo por culpa minha!
LIA: Que é isto Pedro, para que este sentimento de culpa agora? Já faz tanto tempo!
PEDRO: Lia, a gente não pode mais perder tempo! Onde está o nosso filho? Preciso vê-lo agora!
LIA: Pedro, meu querido! Você não sabe que é impossível! Ele está fora do país! Só volta quando se formar, daqui dois anos!
PEDRO: Dois anos, é muito tempo!
LIA: Que nada, dois anos passam rapidinho!
PEDRO: Lia, você não entende? Eu quero recuperar o tempo perdido! Quero viver com você e o meu filho a cada segundo que restar a minha vida! O tempo passou tão rápido e eu nem pude acompanhar de perto o seu crescimento. Eu nem sei como é o rosto dele!
LIA: Todo mundo diz que ele tem a tua cara, quando era criança!
PEDRO: Nem me lembro mais como era o meu rosto na infância! Lia, preciso conhecer o meu filho, agora!
LIA: É verdade Pedro, que você passou estes anos todos preocupado com o futuro de Pedrinho e se esqueceu de estar mais com ele no presente! Porém você terá que ter paciência, esperar ele retornar da viagem!
PEDRO: Não posso mais perder tempo sem estar com a minha família. Lia, me espere dentro de casa, que já vou me deitar!
LIA: Venha logo! A noite está fria! Você pode pegar um resfriado! Vou acender esta vela para você!
Lia sai
FIM DA CENA 4

  CENA 5
PEDRO: Vou só dar mais um puxãozinho, o último, para que eu possa conhecer logo o meu filho!
A bola cai da mão dele, e ele tenta pegar e ela começa a desenrolar. A luz apaga. Quando acende. Pedro está muito velho, como o velho do início. E a bola tem apenas um fiapo saindo de dento dela.
PEDRO: Lia, Lia! Onde estão todos?
Aparece um menino, vestido como Pedro, quando criança.
MENINO: Senhor, não mora mais ninguém!
PEDRO: E a Lia, onde ela está?
MENINO: Faz anos que ela se foi!
PEDRO: Ela se foi? A minha Lia se foi! E eu sou o culpado! Ah! Tristeza!
MENINO: Sim, o senhor é o culpado!
PEDRO: Quem é você?
MENINO: Olhe bem para mim! O senhor não se lembra de mim?
PEDRO: Você... Parece um pouco comigo... Quando eu era criança! Você não é meu filho, é?
MENINO: (rindo) Não, não sou! Eu sou aquele que há muitos anos lhe deu uma bola com a linha da vida!
PEDRO: O velho? Mas como é possível que você seja aquele velho?
MENINO: Você se esqueceu o que lhe disse anos atrás? Quanto mais o tempo avançasse para você, mais ele recuaria para mim. E hoje, tenho a sua idade, quando nos conhecemos!
PEDRO: Eu daria tudo para ter a sua idade!
MENINO: Agora é tarde! Para alguns, o tempo faz parte da vida, deve andar sozinho! Para outros, o tempo caminha a passo de tartaruga! Já para outros, o tempo voa rápido, na velocidade da luz, nem sente quando tudo passou. Mas uma coisa é certa, o tempo sempre está na mente das pessoas! Cabe a cada um saber aproveitá-lo.
PEDRO: Diga pelo menos o seu nome!
MENINO: Eu não lhe disse?
PEDRO: Nunca!
MENINO: Pedro é meu nome!
PEDRO: Ah!
Pedro sai, lentamente.
MENINO: (bocejando) Ah! Tempo, não vá embora!
Que ontem hoje seja.
E amanhã, jamais esteja.
Por que não acontece agora? (adormece)
Lia como menina entra correndo.
LIA: Pedro, Pedro, onde você está?
PEDRO: Liiiiaaaa!
LIA: Ah! Pedro, você vive dormindo!
FIM DA PEÇA

© 2020 José da Silva. Avenida Pasteur 520, Rio de Janeiro 04719-001
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